sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

BISPO DO ROSÁRIO



Estava eu navegando pela virtual.idade quando encontrei a música do “lunático perfeito” Antônio Nóbrega, a música se chama Galope beira mar para Bispo do Rosário, do álbum O Marco do meio dia, de 2001. Na música de Antônio Nóbrega é possível entender um pouco do que foi a obra desse nosso “lunático perpétuo” do nosso louco que virou artista.

Não vou aqui ‘’analisar” essa linda canção, apenas vou destacar alguns pontos interessantes para comentar um pouco acerca do que pode vim a ser o papel da arte e da criação para um sujeito psicótico.

Começo trazendo essa estrofe da canção:

“Então, meia-noite, anjos emissários
Em conta de sete, de aura azulada,
Falaram pra ele, punhando as espadas:
És tu o escolhido, bispo do rosário.
Terás de fazer o teu inventário
E reconstruir o universo sem par
Pra diante de Deus tu te apresentar”

Em 1938 depois de ver o céu se abrir e ver sete anjos anunciarem que ele era o Cristo, Arthut Bispo do Rosário pasou a vagar pelas ruas do Rio dizendo ser o salvador, internado no hospício da praia vermelha foi transferido para a Colônia Juliano Moreia onde passou a maior parte de sua vida. Lá, em 1946 recebeu sua missão de reconstruir o mundo para apresentar a Deus. Foi depois de ouvir uma voz que dizia: “Está na hora de você reconstruir o mundo” que Bispo passou o resto da vida nesse empreendimento. Bispo era aquele que teria que representar tudo o que existe no mundo para Deus.
Delírio aliado a criação, seu material era tudo o que tinha à mão, lixo, sucata, lençóis e uniformes da colônia, “cacos de vidro e cacos de telha” enfim tudo o que existise era acoplado à obra, transformado.
Até sua morte Bispo criou uma magnífica obra, panôs, uniformes, estandartes, assemblages ou vitrines, objetos mumificados tudo feito a partir de sucata, restos do hospital... como se observa em mais um trecho da canção:

“Juntando pedaços de panos, caixotes,
Com pregos, botões, colheres, canecos,
Flanelas, lençóis, agulhas, chinelos,
Brinquedos, moedas, um velho holofote”

Descoberto naquela solidão do hospício por uma reportagem da TV Globo sobre a situação dos manicômios brasileiros, Bispo passou a ser conhecido e logo críticos de arte, artistas, jornalistas viram (miram) alí uma grande produção artística, seria Bispo um artista louco ou um louco artista? Mas para Bispo toda aquela obra só tinha um destino, ser mostrada a Deus no dia da passagem, para ele aquilo tudo não era arte, não era para expor em museus, a mostração seria única e exclusiva para Deus. Dizia que não fazia aquilo tudo para os homens e sim pra Deus. Criada sobre um imperativo, terás de reconstruir o mundo, essa experiência não era nada prazerosa, era uma obrigação, uma obediência às vozes que ele escutava e que tinha de obedecer pois se não obedecesse elas o faziam de bola, dizia; puro objeto na mão do Outro.
Encarregado dessa missão, de ter de reconstruir o mundo, Bispo arranja aí um lugar subjetivo, ele é aquele que no dia da passagem vai apresentar tudo o que há no mundo, ele é o filho do Homem, o Cristo Jesus, o que cria. Aliado aos seu delírio sua criação teve esse efeito de recriação de tudo o que fora perdido no momento do surto, toda realidade, vivenciada como verdadeira morte subjetiva, podendo assim cavar, riscar um lugar seu no mundo, bordar o que se acha disperso: “EU PRECISO DESTAS PALAVRAS. ESCRITA” borda ele num dos seus panôs.
Bispo fez sua passagem em 1989.

Nenhum comentário: